quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Por que o apoio dos EUA à mudança de regime na Venezuela é um erro



POR MARK WEISBROT

Quando é considerado legítimo tentar derrubar um governo democraticamente eleito? Em Washington, a resposta sempre foi simples: quando o governo dos EUA diz que é. Não  por acaso, esta não é a forma como os governos latino-americanos, em geral, encaram a questão.
No domingo, os governos do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela) divulgaram um comunicado sobre as manifestações da semana passada na Venezuela. Descreveram “os recentes atos de violência” na Venezuela como “tentativas de desestabilização da ordem democrática”. Eles deixaram bem claro de que lado estavam.
Declararam “seu firme compromisso com a plena vigência das instituições democráticas e, neste contexto, rejeitam as ações criminosas de grupos violentos que querem espalhar a intolerância e o ódio na República Bolivariana da Venezuela como uma ferramenta política”.
Podemos lembrar que quando manifestações muito maiores balançaram o Brasil no ano passado não houve declarações do Mercosul ou de governos vizinhos. Isso não é porque ninguém ama a presidente Dilma Rousseff, mas porque esses protestos não procuravam derrubar o governo democraticamente eleito do Brasil.
A administração Obama foi um pouco mais sutil, mas também deixou claro de que lado estava. Quando o secretário de Estado John Kerry afirma que “estamos particularmente alarmados com relatos de que o governo venezuelano mantém detidos dezenas de manifestantes antigoverno”, ele está tomando uma posição política. Na verdade, houve muitos manifestantes que cometeram crimes: atacaram e feriram policiais com pedaços de concreto e coquetéis molotov, queimaram carros, destruíram e às vezes incendiaram prédios do governo, entre outros atos de violência e vandalismo.
Um porta-voz anônimo do Departamento de Estado foi ainda mais claro na semana passada, quando expressou preocupação com o “enfraquecimento das instituições democráticas na Venezuela” e disse que havia a obrigação das “instituições governamentais responderem eficazmente à necessidades econômicas e sociais legítimas de seus cidadãos”. Ele uniu esforços com a oposição para deslegitimar o governo, uma parte vital de qualquer estratégia de “mudança de regime”.
Claro que todos nós sabemos quem o governo dos EUA apoia na Venezuela. Eles realmente não tentam esconder: há US$ 5 milhões no orçamento federal americano de 2014 para financiar as atividades da oposição dentro do país e isso é quase certamente a ponta do iceberg – somando-se as centenas de milhões de dólares de apoio explícito nos últimos 15 anos.
Mas o que torna importantes essas declarações atuais dos americanos e irrita os governos da região é que eles estão dizendo à oposição venezuelana que Washington está mais uma vez apoiando a mudança de regime. Kerry fez a mesma coisa em abril do ano passado, quando Maduro foi eleito presidente e o candidato da oposição Henrique Capriles afirmou que a eleição foi roubada. Kerry recusou-se a reconhecer os resultados das eleições. A postura antidemocrática agressiva de Kerry causou uma forte reação dos governos sul-americanos e ele foi forçado a mudar de curso e tacitamente reconhecer o governo Maduro. (Para quem não acompanhou esses eventos, não havia nenhuma dúvida sobre o resultado das eleições.)
O reconhecimento de Kerry dos resultados colocou um fim à tentativa da oposição de deslegitimar o governo eleito. Depois que o partido de Maduro venceu as eleições municipais por uma larga margem em dezembro, a oposição estava derrotada. A inflação estava em 56% e houve escassez generalizada de bens de consumo, mas uma sólida maioria ainda tinha votado no governo. Sua escolha não poderia ser atribuída ao carisma pessoal de Hugo Chávez, morto há quase um ano, e nem era irracional. Embora o ano passado tenha sido duro, os últimos 11 anos – desde que o governo passou a ter o controle sobre a indústria do petróleo – têm trazido ganhos nos padrões de vida para a maioria dos venezuelanos que eram previamente marginalizados e excluídos.
Havia muitas reclamações sobre o governo e a economia, mas os ricos e os políticos de direita da oposição não refletem os valores do povo e nem inspiram confiança.
O líder da oposição Leopoldo López tem retratado as manifestações atuais como algo que poderia forçar Maduro a sair do cargo. Era óbvio que não havia, e ainda não há, possibilidade de isso acontecer de forma pacífica. Como o professor da Universidade da Georgia David Smilde argumentou, o governo tem tudo a perder com a violência nas manifestações e a oposição tem algo a ganhar.
No fim de semana passado, Capriles, que estava inicialmente desconfiado de uma estratégia potencialmente violenta para a “mudança de regime”, mudou de ideia. De acordo com a Bloomberg News, ele acusou o governo de “infiltração nos protestos pacíficos para convertê-los em atos de violência e repressão”.
Levou muito tempo para que a oposição aceitasse os resultados das eleições democráticas na Venezuela. Eles tentaram um golpe militar, apoiado pelos EUA em 2002; quando isso fracassou, tentaram derrubar o governo com uma greve do petróleo. Eles perderam uma tentativa de reclamar a presidência em 2004 e protestaram; em seguida, boicotaram as eleições para a Assembleia Nacional, sem motivo, no ano seguinte.
A fracassada tentativa de deslegitimar a eleição presidencial em abril de 2013 foi um retorno a um passado escuro, mas não tão distante. Continua uma incógnita quão longe eles irão para ganhar por outros meios, já que não têm vencido nas urnas, e por quanto tempo terão o apoio de Washington para a mudança de regime na Venezuela.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Encontro de Planejamento da RECID-GO



Aos movimentos populares que tecem a Rede de Educação Cidadã em Goiás.

Camaradas,

Nos dias 22 e 23 de fevereiro de 2014, realizaremos o Encontro de Planejamento da RECID-GO, no Centro Cultural Cara Vídeo, com o objetivo de avaliarmos o ano de 2013, levantarmos os desafios atuais e traçarmos as perspectivas para 2014.
É de extrema importância a participação efetiva das organizações populares que tecem esta rede em Goiás, dado que nossas opções políticas passam pela construção coletiva dos processos de formação e dos espaços dessa articulação.
No ano de 2013 realizamos um processo de formação em torno da educação popular, da luta de classes e da reforma política a partir do projeto popular de Brasil. Precisamos dar continuidade à luta contra as violações de direitos humanos.
Vamos juntos avaliar todo o processo político, pedagógico, organizativo e de sustentabilidade da RECID-GO, com vista nas ações de fortalecimento dos movimentos em 2014.
Pedimos a todos que confirmem recebimento desta carta e a presença no Encontro de Planejamento pelo e-mail talhergoias10@gmail.com ou pelo telefone (62) 3203-5222.

Resumo:
Encontro de Planejamento RECID – 2014
Data: 22 e 23 de fevereiro, a partir de 8 horas
Local: Centro Cultural Cara Vídeo (Rua 83, nº 361, Setor Sul, Goiânia – GO)
Confirmar participação: talhergoias10@gmail.com ou (62) 3203-5222

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

MACHISMO - Não minimize uma dor que você não conhece

"Sou homem.

Quando nasci, meu avô parabenizou meu pai por ter tido um filho homem. E agradeceu à minha mãe por ter dado ao meu pai um filho homem. Recebi o nome do meu avô.

Quando eu era criança, eu podia brincar de LEGO, porque "Lego é coisa de menino", e isso fez com que minha criatividade e capacidade de resolver problemas fossem estimuladas.

Ganhei lava-jatos e postos de gasolina montáveis da HotWheels. Também ganhei uma caixa de ferramentas de plástico, para montar e desmontar carrinhos e caminhões. Isso também estimulava minha criatividade e desenvolvia meu raciocínio, o que é bom para toda criança.

Na minha época de escola, as meninas usavam saias e meus amigos levantavam suas saias. Dava uma confusão! E então elas foram proibidas de usar saias. Mas eu nunca vi nenhum menino sendo realmente punido por fazer isso, afinal de contas "Homem é assim mesmo! Puxou o pai esse danadinho" - era o que eu ouvia.

Em casa, com meus primos, eu gostava de brincar de casinha com uma priminha. Nós tínhamos por volta de 8 anos. Eu era o papai, ela era a mamãe e as bonecas eram nossas filhinhas. Na brincadeira, quando eu carregava a boneca no colo, minha mãe não deixava: "Larga a boneca, Juninho, é coisa de menina". E o pai da minha priminha, quando via que estávamos brincando juntos, de casinha, não deixava. Dizia que menino tem que brincar com menino e menina com menina, porque "menino é muito estúpido e, principalmente, pra frente". Eu não me achava estúpido e também não entendia o que ele queria dizer com "pra frente", mas obedecia.

No natal, minha irmã ganhou uma Barbie e eu uma beyblade. Ela chorou um pouco porque o meu brinquedo era muito mais legal que o dela, mas mamãe todo ano repetia a gafe e comprava para ela uma boneca, um fogãozinho, uma geladeira cor-de-rosa, uma batedeira, um ferro de passar.

Quando fiz 15 anos e comecei a namorar, meu pai me comprou algumas camisinhas.
Na adolescência, ninguém me criticava quando eu ficava com várias meninas.
Atualmente continua assim.

Meu pai não briga comigo quando passo a noite fora. Não fica dizendo que tenho que ser um "rapaz de família". Ele nunca me deu um tapa na cara desconfiado de que passei a noite em um motel.

Ninguém fica me dando sermão dizendo que eu tenho que ser reservado e me fazer de difícil.
Ninguém me julga mal quando quero ficar com uma mulher e tomo a iniciativa.

Ninguém fica regulando minhas roupas, dizendo que eu tenho que me cuidar.
Ninguém fica repetindo que eu tenho que me cuidar porque "mulher só pensa em sexo".

Ninguém acha que minhas namoradas só estavam comigo para conseguir sexo.
Ninguém pensa que, ao transar, estou me submetendo à vontade da minha parceira.
Ninguém demoniza meus orgasmos.

Nunca fui julgado por carregar camisinha na mochila e na carteira.
Nunca tive que esconder minhas camisinhas dos meus pais.

Nunca me disseram para me casar virgem por ser homem.
Nunca ficaram repetindo para mim que "Homem tem que se valorizar" ou "se dar ao respeito". Aparentemente, meu sexo já faz com que eu tenha respeito.

Quando saio na rua ninguém me chama de "delícia".
Nenhuma desconhecida enche a boca e me chama de “gostoso” de forma agressiva.
Eu posso andar na rua tomando um sorvete tranquilamente, porque sei que não vou ouvir nada como “Larga esse sorvete e vem me chupar”. Eu posso até andar na rua comendo uma banana.

Nunca tive que atravessar a rua, mesmo que lá estivesse batendo um sol infernal, para desviar de um grupo de mulheres num bar, que provavelmente vão me cantar quando eu passar, me deixando envergonhado.

Nunca tive que fazer caminhada de moletom porque meu short deixa minhas pernas de fora e isso pode ser perigoso.
Nunca ouvi alguém me chamando de “Desavergonhado” porque saí sem camisa.
Ninguém tenta regular minhas roupas de malhar.
Ninguém tenta regular minhas roupas.

Eu nunca fui seguido por uma mulher em um carro enquanto voltava para casa a pé.

Eu posso pegar o metrô lotado todos os dias com a certeza que nenhuma mulher vai ficar se esfregando em mim, para filmar e lançar depois em algum site de putaria.

Nunca precisaram criar vagões exclusivamente para homens em nenhuma cidade que conheço.

Nunca ouvi falar que alguém do meu sexo foi estuprado por uma multidão.

Eu posso pegar ônibus sozinho de madrugada.
Quando não estou carregando nada de valor, não continuo com medo pelo risco ser estuprado a qualquer momento, em qualquer esquina. Esse risco não existe na cabeça das pessoas do meu sexo.

Quando saio à noite, posso usar a roupa que quiser.
Se eu sofrer algum tipo de violência, ninguém me culpa porque eu estava bêbado ou por causa das minhas roupas.
Se, algum dia, eu fosse estuprado, ninguém iria dizer que a culpa era minha, que eu estava em um lugar inadequado, que eu estava com a roupa indecente. Ninguém tentaria justificar o ato do estuprador com base no meu comportamento. Eu serei tratado como VÍTIMA e só.

Ninguém me acha vulgar quando faz frio e meu “farol” fica “aceso”.

Quando transo com uma mulher logo no primeiro encontro sou praticamente aplaudido de pé. Ninguém me chama de “vagabundo”, “fácil”, “puto” ou “vadio” por fazer sexo casual às vezes.

99% dos sites de pornografia são feitos para agradar a mim e aos homens em geral.
Ninguém fica chocado quando eu digo que assisto pornôs.
Ninguém nunca vai me julgar se eu disser que adoro sexo.
Ninguém nunca vai me julgar se me ver lendo literatura erótica.
Ninguém fica chocado se eu disser que me masturbo.

Nenhuma sogra vai dizer para a filha não se casar comigo porque não sou virgem.

Ninguém me critica por investir na minha vida profissional.
Quando ocupo o mesmo cargo que uma mulher em uma empresa, meu salário nunca é menor que o dela.
Se sou promovido, ninguém faz fofoca dizendo que dormi com minha chefe. As pessoas acreditam no meu mérito.
Se tenho que viajar a trabalho e deixar meus filhos apenas com a mãe por alguns dias, ninguém me chama de irresponsável.

Ninguém acha anormal se, aos 30 anos, eu ainda não tiver filhos.

Ninguém palpita sobre minha orientação sexual por causa do tamanho do meu cabelo.
Quando meus cabelos começarem a ficar grisalhos, vão achar sexy e ninguém vai me chamar de desleixado.

A sociedade não encara minha virgindade como um troféu.

90% das vagas do serviço militar são destinadas às pessoas do meu sexo. Mesmo quando se trata de cargos de alto escalão, em que o oficial só mexe com papelada e gerência.

Se eu sair com uma determinada roupa ninguém vai dizer “Esse aí tá pedindo”.

Se eu estiver em um baile funk e uma mulher fizer sexo oral em mim, não sou eu quem sou ofendido. Ninguém me chama de "vagabundo" e nem diz "depois fica postando frases de amor no Facebook".
Se vazar um vídeo em que eu esteja transando com uma mulher em público, ninguém vai me xingar, criticar, apedrejar. Não serei o piranha, o vadio, o sem valor, o vagabundo, o cachorro. Estarei apenas sendo homem. Cumprindo meu papel de macho alpha perante a sociedade.
Se eu levar uma vida putona, mas depois me apaixonar por uma mulher só, as pessoas acham lindo. Ninguém me julga pelo meu passado.

Ninguém diz que é falta de higiene se eu não me depilar.

Ninguém me julgaria por ser pai solteiro. Pelo contrário, eu seria visto como um herói.

Nunca serei proibido de ocupar um cargo alto na Igreja Católica por ser homem.

Nunca apanhei por ser homem.
Nunca fui obrigado a cuidar das tarefas da casa por ser homem.
Nunca me obrigaram a aprender a cozinhar por ser homem.
Ninguém diz que meu lugar é na cozinha por ser homem.

Ninguém diz que não posso falar palavrão por ser homem.
Ninguém diz que não posso beber por ser homem.

Ninguém olha feio para o meu prato se eu colocar muita comida.

Ninguém justifica meu mau humor falando dos meus hormônios.

Nunca fizeram piadas que subjugam minha inteligência por ser homem.

Quando cometo alguma gafe no trânsito ninguém diz “Tinha que ser homem mesmo!”

Quando sou simpático com uma mulher, ela não deduz que “estou dando mole”.

Se eu fizer uma tatuagem, ninguém vai dizer que sou um “puto”.

Ninguém acha que meu corpo serve exclusivamente para dar prazer ao sexo oposto.
Ninguém acha que terei de ser submisso a uma futura esposa.

Nunca fui julgado por beber cerveja em uma roda onde eu era o único homem.

Nunca me encaixo como público-alvo nas propagandas de produtos de limpeza.
Sempre me encaixo como público-alvo nas propagandas de cerveja.

Nunca me perguntaram se minha namorada me deixa cortar o cabelo. Eu corto quando quero e as pessoas entendem isso.

Não há um trote na USP que promove minha humilhação e objetificação.

A sociedade não separa as pessoas do meu sexo em “para casar” e “para putaria”.

Quando eu digo “Não” ninguém acha que estou fazendo charme. Não é não.

Não preciso regrar minhas roupas para evitar que uma mulher peque ou caia em tentação.

As pessoas do meu sexo não foram estupradas a cada 40 minutos em SP no ano passado.
As pessoas do meu sexo não são estupradas a cada 12 segundos no Brasil.
As pessoas do meu sexo não são estupradas por uma multidão nas manifestações do Egito.

Não sou homem. Mas, se você é, é fundamental admitir que a sociedade INTEIRA precisa do Feminismo.
Não minimize uma dor que você não conhece."

(Camila Oliveira Dias )