quarta-feira, 26 de março de 2014

Um retrato da mídia no Brasil

Pesquisa divulgada na sexta-feira (7/3) pelo ministro-chefe da Secretaria da Comunicação Social, Thomas Traumann, apresenta um relato inédito dos hábitos de consumo de mídia por parte dos brasileiros [ver abaixo]. Trata-se do primeiro levantamento efetivamente nacional sobre o uso dos meios de comunicação, com amostras representativas dos 26 estados e do Distrito Federal, que deverá ser repetido anualmente.

A metodologia tende a dar mais visibilidade aos meios de longo alcance, como a televisão e a internet. Essa é uma grande qualidade do estudo, uma vez que os levantamentos feitos por instituições privadas que representam as próprias empresas de comunicação cobrem apenas os grandes centros e o alcance da mídia mais concentrada. A realidade nacional é diferente daquela que se vê a partir de São Paulo, Rio ou Brasília.
O resultado mostra que assistir televisão é hábito de 97% dos brasileiros de todas as idades, gêneros, nível de renda, escolaridade ou localização geográfica. O rádio ainda tem grande penetração, citado por 61% dos entrevistados, e, tratando-se de uma pesquisa nacional, que inclui os lugares mais remotos do país, surpreende que 47% dos consultados tenham declarado o hábito de acessar a internet.
A leitura de jornais diariamente é hábito de apenas 6% das pessoas (25% dizem ler um jornal por semana) e 7% costumam ler revistas semanais.
Há algumas curiosidades interessantes nos gráficos, como o tempo dedicado por homens e mulheres à televisão, nos dias úteis e nos finais de semana, e a diferença de uso em cidades pequenas e nas regiões urbanas com mais de 500 mil habitantes: em média, a TV fica ligada mais de 3 horas por dia. Durante a semana, predominam os programas jornalísticos ou de notícias, com 80% de citações entre três respostas por ordem de lembrança, seguidos pelas telenovelas, com 48%. Aos sábados e domingos, a preferência muda para programas de auditório, com 79% das preferências; jornalismo passa a 35% e programas de esporte aparecem com 27% das escolhas.
Jornais semanários
O rádio também apresenta um perfil de alta intensidade, com o aparelho ligado cerca de 3 horas por dia, durante toda a semana. Há uma concentração maior de ouvintes na região Sul, enquanto no Centro-Oeste e na região Norte, por exemplo, mais de 50% afirmam nunca ouvir o rádio. Trata-se, também de um meio preferido pelas mulheres, tanto em frequência quanto em intensidade, com uma audiência mais relevante entre os maiores de 65 anos.
A internet aparece como o meio de comunicação que mais cresce entre os brasileiros. Um quarto da população já acessa a rede diariamente: de segunda a sexta-feira, com uma intensidade média de 3h39 minutos, e durante 3h49 nos finais de semana. Os usuários estão concentrados na faixa etária de até 25 anos, com 77% do total de entrevistados e predominância entre moradores das grandes cidades e pessoas com renda mais alta e maior escolaridade. A maioria dos usuários (84%) acessa a internet pelo computador, mas 40% também usam o celular para entrar na rede.
Um aspecto fundamental para o estudo do uso da mídia pode ser observado nos dados referentes ao tempo dedicado a redes sociais, principalmente o Facebook: 68,5% dizem utilizar preferencialmente os sites de relacionamento de segunda a sexta e 70,8% nos finais de semana. Entre os sites noticiosos nacionais, os mais acessados são os portais do grupo Globo, Globo.com e G1.com, seguidos pelo UOL e R7.com.
Sobre a leitura de jornais, a pesquisa não apenas confirma que se trata de um meio pouco usado pelos brasileiros, mas também que, na prática, os diários se transformam em semanários: enquanto 75% afirmaram nunca ler jornais, 6% declaram o hábito de leitura diária e 25% costumam ler jornal uma vez por semana. A primeira escolha dos leitores é por notícias locais (33% das citações), seguida por esportes (25%), notícias policiais (16%) e fofocas sobre novelas e celebridades (16%). Os títulos mais citados são os chamados populares e de baixo custo.
Interessante notar também que 19% dos entrevistados afirmam confiar sempre nas notícias de jornais impressos, enquanto 34% confiam “muitas vezes”, 39% confiam “poucas vezes” e 6% “nunca confiam”.
Dos três jornais considerados de circulação nacional, O Globo é lembrado por apenas 3,8% dos consultados, a Folha de S. Paulo é citada por 2,1% e O Estado de S. Paulo, por 1,3% dos entrevistados.

quarta-feira, 19 de março de 2014

ENCONTRO DOS SABERES

PENSAR, SENTIR E FAZER
Agente não quer só ciência e tecnologia, queremos espiritualidade!

   Neste terceiro dia de Ciranda da Comunicação e Cultura Popular a Recid teve o prazer de receber o professor José Jorge de Carvalho, do departamento de antropologia da Universidade de Brasília, para nos contar sobre o projeto Encontro de Saberes. A grande roda de conversa trouxe a reflexão sobre o papel político e pedagógico das universidades na construção de um projeto popular para o Brasil. Segundo o professor “A intervenção estratégica é trazer os mestres das culturas populares para a instituição hegemônica universitária e influenciar a condução do poder, que é exercido na sua maioria por pessoas com o nível superior”
   A experiência do Encontro de Saberes realizada na UNB é uma ferramenta de disseminar e valorizar o conhecimento popular e também complementar a luta pelas cotas universitárias. O professor lembra que a UNB é uma das pioneiras nesta luta, desde 1999 está envolvida nesta construção. E que os argumentos contrários justificam que a raiz do problema está no ensino básico, mas ele reforça que o sistema educacional possui problemas em todos os níveis e necessita de interferências efetivas imediatas. E que não basta só inserir na universidade e disseminar o conhecimento dominante e excludente, todos os saberes populares e tradicionais necessitam estar representados para os universitários. “O grande desafio esta na inclusão dos jovens e dos mestres e mestras da cultura popular para proporcionar o ensinamento para todos\as”.
   O professor José Jorge afirma que existe uma discriminação dos saberes e a luta do Encontro dos Saberes é contra hegemônica, contra este racismo. Lembra que a capoeira está em 100 países do mundo e não estão na universidade, o afoxé, o maracatu, o jongo, entre outras expressões não estão nas escolas de música. Em 2010 o MinC já tentou levar este projeto do Encontro dos Saberes para o MEC, porém a lógica do ensino formal possui pouca conexão com a temática de processos alternativos a educação.
   Uma matéria regular do encontro é denominada Arte e Ofício dos Saberes Populares por onde os mestres e mestras de diversas raças e etnias deste país proporcionaram aulas de saberes culturais, de saúde e meio ambiente como Congada, reflorestamento, permacultura, plantas medicinais, artesanato entre outros. O professor ressalta a importância da construção da ponte entre a educação popular e o conhecimento científico, devemos lutar pelo notório saber popular, que a universidade outorgue este título. Sabemos que para isto necessitará de muita articulação política interna e externa a universidade e efetivar alterações nos regimentos internos que possibilite os nossos mestres/as exerçam funções pedagógica e sejam reconhecidos na condição de docentes. E a grande questão é como eles serão reconhecidos e para isto o professor conta que está sendo realizada a Cartografia Nacional dos Mestres e Mestras, um mapeamento estratégico para visualização da dívida do país com estes saberes e para tentar evitar fraudes.

   A universidade possui como tripé de atuação a realização e articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão e a proposta trazida é complementar e disseminar a Pedagogia do Pensar, Sentir e Fazer, necessitamos para além da ciência e da tecnologia a espiritualidade na formação de indivíduos e produção de conhecimento. Ele indica que dentro deste modelo de sociedade capitalista e genocida pode ser colocado como uma estratégia valorizar e disseminar os saberes, as ciências e tecnologias populares que estão em crise, fortalecer a autonomia e o enfrentamento das comunidades com relação à invasão e apropriação do capital a partir da resistência da cultural e econômica do povo. Foi levantado que mestres/as não necessariamente são os líderes das comunidades ou movimentos e que por isto é fundamental não perder de vista que os agentes comunitários, as lideranças estejam dialogando e fortalecendo as mestrias.
   Por fim sabemos que o papel de extensão universitária chega até as comunidades, utiliza-as como objeto de pesquisa, produz conhecimento e proporciona os títulos acadêmicos que geram docentes e enriquecem os curriculos lattes. A proposta agora é também trazer os mestres destas comunidades para dentro da universidade, incluir o popular neste local de poder e tentar transformar as consciências desta realidade que cria raciocínios pragmáticos, desumanizados e voltados muito mais para o mercado do que para a realidade do povo brasileiro.
 DANDARA
CIRANDA Março 2014

sexta-feira, 14 de março de 2014

IRMÃOS, IRMÃS OU MERCADORIA?


“Volta para a selva, seu negro macaco, ladrão, safado, imundo. Temos que matar todos, seus negros sujos. Márcio Chagas, tu é a escória do mundo, seu lixo, mal intencionado.” Assim o juiz de futebol Márcio Chagas da Silva foi ‘recepcionado’ num jogo de futebol em Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul. O jogador Arouca do Santos também sofreu ofensas racistas em Mogi Mirim, São Paulo, assim como o jogador Tinga, em jogo do Cruzeiro de Minas no Peru.
O racismo no Brasil, explícito ou disfarçado, não é nenhuma novidade. Assim como o preconceito. E muitas vezes se expressa em horas de comoção, quando não se consegue reprimir os sentimentos, ou em meio a multidões, onde os personagens se escondem no meio de outras pessoas. A escravidão brasileira, a mais longa de todas as escravidões, a que acabou mais tarde (pelo menos a formal e pública), deixou marcas profundas, encravadas na sociedade, na convivência diária, nas relações humanas e sociais. Como disse o jogador Tinga: “Preconceito é coisa que vivo em todos os momentos. É geral, e não é só o meu caso. Para quem nasce pobre, como eu, e negro, o maior preconceito é o social. A minha esposa é branca e é casada comigo há 18 anos. As pessoas olham para ela e olham para mim de um jeito diferente. No Brasil, a gente fala de igualdade, mas esconde o preconceito. A gente fica fingindo que todos são iguais.”
A Campanha da Fraternidade/2014, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e igrejas cristãs na quaresma, tem muito a ver com estas manifestações racistas e preconceituosas em estádios e é absolutamente oportuna. Seu título é ‘Fraternidade e Tráfico Humano’ e seu lema ‘É para a liberdade que Cristo nos libertou’(Gl, 5,1).
E há uma feliz coincidência. O filme vencedor do Oscar/2014 é ‘12 anos de escravidão’, contando a história de Soloman Northup, um negro livre sequestrado nos Estados Unidos em 1841. Vendido como escravo, Soloman é obrigado a trabalhar durante 12 anos nas plantações do Estado de Louisiana. Soloman não era escravo. Era homem livre como os demais brancos. Sabia ler e escrever, coisa que muitos brancos na época não sabiam. Não realizava trabalhos braçais como os escravos, era músico profissional. Mesmo assim, foi raptado e vendido como escravo, do mesmo jeito que os demais africanos que vinham para os EUA como escravos.
O texto-base da Campanha da Fraternidade diz: “A sociedade escravocrata legou ao Brasil, pós Lei Áurea, uma estrutura que relega grande parte da população ao sofrimento da marginalização. (...) O combate a preconceitos e à discriminação nas mais variadas esferas deve integrar as ações de enfrentamento ao tráfico humano, pois eles dificultam o empenho de maior número de pessoas e organizações na superação desse crime.”
O tráfico humano, em 2014, pleno século XXI, não é um problema menor. Para o papa Francisco, o tráfico de pessoas é uma atividade ignóbil, uma vergonha para as nossas sociedades que se dizem civilizadas. Ele aparece e acontece através da exploração no trabalho – trabalhadores bolivianos e peruanos -, no tráfico para a exploração sexual – não só mulheres, também homens -, para a extração de órgãos, tráfico de crianças e adolescentes – roubo e venda de crianças para serem adotadas. Segundo disse D. Leonardo Steiner, Secretário Geral da CNBB, no lançamento da Campanha, estima-se que o tráfico humano envolva R$ 65 bilhões por ano.
Racismo, preconceitos, assim como o tráfico humano, não são, portanto, coisas do passado ou resíduos de uma sociedade colonial. Lúcio Centeno, do Levante Popular da Juventude e da Rede de Educação Cidadã, escreve em ‘Acordando no Alabama dos anos 50’: “Na sociedade brasileira recorrentemente emergem fatos que questionam a existência de uma igualdade jurídica entre brancos e negros, para não falar em uma igualdade ontológica (entre ‘humanos’ e ‘subhumanos – ou macacos, grifo meu, como gritam e cantam torcedores nos estádios). As reiteradas denúncias de existência de trabalhadores vivendo ainda em situação análoga à escravidão são o exemplo mais óbvio dessa diferenciação. O caso do desaparecimento do pedreiro Amarildo no Rio de Janeiro tornou-se símbolo de uma prática policial bastante difundida nas periferias brasileiras, o tribunal de rua. Nestes 126 anos de abolição da escravidão, o processo de estratificação social se complexificou cada vez mais. O desenvolvimento capitalista em nosso país não suplantou uma estrutura social racializada. Pelo contrário, acoplou-se nela para enrijecer-se.”
O jogador Arouca disse belas palavras: “Tenho muito orgulho da minha origem africana, que o sujeito tentou usar para me ofender, dizendo que devo procurar alguma seleção da África, dando a entender que um negro não serve para defender o Brasil. Como se algumas das páginas mais bonitas da nossa seleção não tivessem sido escritas por negros como Leônidas, Pelé e Romário.”
Em tempos de Copa do Mundo, a Campanha da Fraternidade nos chama a atenção que o ser humano é destinado à liberdade. Não é mercadoria. É irmã. É irmão.
Selvino Heck
Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República
Em catorze de março de dois mil e catorze